16.11.18

Cheguei atrasado




Acho que cheguei atrasado. Definitivamente cheguei atrasado em algumas coisas da vida. Cheguei atrasado na fé. Cheguei atrasado no amor. Cheguei atrasado no psiquiatra. Cheguei atrasado no trabalho hoje. Quem chega atrasado geralmente chama atenção. Não quer, mas chama. Não queria e chamei. Quem chega atrasado perde o bom do show. Quem chega atrasado não vê a cortina abrindo, por isso não sabe entender quando ela se fecha. Quem chega atrasado, geralmente, tem um punhado de desculpas e motivos para o atraso. Prefere isso do que simplesmente dizer: ‘Desculpa, me atrasei’. Quem chega atrasado prefere falar do futuro, pensar no futuro, se lamentar pelo passado e se esquece de agradecer pelo presente. Porque afinal de contas, no presente, está atrasado.

Cheguei atrasado um dia desses para buscar meu filho na escola. Me atrasei pra voltar ao normal depois de uns dias cheio de manias. Me atrasei pra fazer tatuagem, agora não dá mais. Um dia desses atrasei meu relógio 10 minutos, só pra ter a sensação que não estava mais atrasado. Resultado, achei que estavam todos adiantados, mas não conseguia enxergar que o atrasado era eu.

Me atrasei pra o ensaio da banda num outro dia. Me atrasei pra dar aula. Me atrasei pra dizer para o meu pai que amava ele. Esse atraso foi ruim, porque ele se adiantou e foi embora. Agora só digo por mensagem, como sempre, atrasado. Como Don Quixote, outro atrasado, me atrasei pra perceber que o moinho de vento não era um gigante. Atrasei outros por causa desse atraso. Eu me atrasei pra entender que a doutrina não protege o mestre, antes o denuncia. Me atrasei para entender que ‘graça’ não é o mesmo que ‘de graça’. Estou neste momento atrasando um monte de coisas que eu tenho que entregar para escrever nessas linhas o quanto eu estou atrasado. Me atrasei pra entender que preciso de ajuda. Preciso de ajuda para chegar a tempo. Chegar no tempo. No tempo do sábio que diz que há tempo pra tudo. Ninguém pode escapar do tempo. Ele existe. Ou melhor, eles existem: os tempos. Existe tempo pra tudo, menos pra se atrasar. Se existe alguém fora do tempo, são esses, os atrasados. Eles vivem num lugar, num espaço em branco que fica entre o desespero e a esperança. Sempre tentando sair desse lugar pra acertar no alvo. Pra cravar os ponteiros do relógio. Sincronizar sua agenda com a agenda do resto do mundo. O tempo é absoluto. O atraso é sempre relativo.

Já estamos no Novembro azul. Queria que ainda fosse o Setembro amarelo. Mais uma vez, estou atrasado.

Erick Freire

27.11.17

É preciso saber morrer



Hoje o dia amanheceu cheio de graça. Enquanto pedalava para o trabalho, ouvindo uma playlist de música que gosto de ouvir quando estou grato, começou a tocar uma música linda dos Titãs que insistia em seu refrão: É preciso saber viver!
Pensei: é preciso mesmo! Mas enquanto continuava pedalando, com um pulgueiro inteiro atrás da orelha, refletia sobre as implicações disso em minha vida. Comecei então a construir uma ideia tão difícil quanto a necessidade de ‘saber viver’. A necessidade de saber morrer.

Gratidão não tem a ver com o dia que amanhece ensolarado ou com o céu nublado, chuva e tempestade de relâmpagos. Gratidão tem a ver com a condição de perceber as mudanças climáticas e entender (ou nem sempre) porque elas acontecem. Gratidão tem a ver com a capacidade de sentir cada gota de chuva molhando a pele ou o conforto dos raios de sol esquentando do frio. Gratidão tem a ver com a vida, mas também com a morte. E quando digo morte, não quero que confunda com o fim de tudo. Quero traçar um paralelo entre perdas e ganhos. Perdas e ganhos são como os dois trilhos de uma ferrovia, andam sempre juntos e se encontram no horizonte. Ora, não é lógico? Só morre quem está vivo. E no contexto da música, é preciso saber viver para que quando a morte chegar você olhe ela nos olhos, sorria e agradeça. Pois toda a nossa vida, tudo que fizemos, os jantares com amigos, as cartas aos amantes, os vinhos tintos e brancos que conhecemos, as milhas que caminhamos (muito mais que duas) ou pedalamos, nos trouxeram, inevitavelmente, até aqui.

Gratidão tem a ver com entender processos. Gratidão não é um relatório no final de um dia, do tipo: “Hoje fez sol e foi um dia lindo de céu azul”. Antes, gratidão é dizer como um certo Renato Russo: “Veja o sol dessa manhã tão cinza”. Gratidão é, antes de tudo, admiração.

Saber reconhecer que há um sol em cada manhã que amanhece cinza, é a recompensa para quem já aprendeu a viver e morrer.

Eu continuava pedalando e os Titãs insistindo: “Toda pedra no caminho, você pode retirar”. Acho que alguém pode se frustrar quando aparecer alguma que não possa ser retirada, não é? Me lembrou um certo Nazareno, pedindo que lhe fosse retirada uma pedra do caminho, se possível. E não foi. Por mais que o Jesus-homem soubesse viver, era preciso que ele demonstrasse sua habilidade de saber morrer. Saber padecer sem escolha, saber “ver o sol dessa manhã tão cinza”.

Me lembro de um outro Paulo. Não o Paulo Miklos, do Titãs, mas o Paulo que era Saulo e que aprendeu a morrer. Depois de tanto viver ele disse: “Sei bem o que é passar necessidade, sei o que é andar com fartura. Aprendi o mistério de viver feliz em todo lugar e em toda e qualquer situação, esteja bem alimentado, ou mesmo com fome, possuindo fartura, ou passando privações.” (Fl 4:12)

Concordo com os dois Paulos. Com o Paulo Miklos, do Titãs, quando exclama: “É preciso saber viver!”. E com o Paulo, que era Saulo, quando diz, em paráfrase: “É preciso saber viver e também morrer.”



Gratidão é admiração. Pelo sol ou pela chuva.

10.11.17

30


Tenho trinta porquês. Na verdade tenho muito mais que trinta.
Hoje estou me sentindo como na música de Sá, Rodrix e Guarabyra:


“Nada no passado, Tudo no futuro,
Espalhando o que já está morto, Pro que é vivo crescer,
Sob a luz da lua, Mesmo com sol claro,
Não importa o preço que eu pague, O meu negócio é viver.”

(Sá, Rodrix e Guarabyra - Jesus numa moto, 2000)



Em três décadas, vivi 3 dias diferentes.
No primeiro dia, era eu a viola e Deus. Metáfora pra o propósito de viver para cultivar, crescer, obedecer papai e mamãe, colorir e descobrir que a vida não acaba nunca.
No segundo dia, começou algo meio bossa nova e terminou meio que rock’n’roll. Ganhei alguns anos a menos de vida e um milhão de certezas.
No terceiro e mais longo dia, tive muitas dúvidas sobre a vida e nenhuma sobreviveu para contar história.


Consegue imaginar Jesus numa moto? Pois é. Eu também!


Sem metáforas: temos pouca coragem de fazer diferente.
E com 30 anos agora, queria mesmo era ser Jesus numa moto.


“Jesus numa moto” é o legado de um homem que usa bota, jaqueta, luvas desgastadas, camiseta branca suja de poeira, barba por fazer, cabelo com cheiro de suor, desgrenhado pelo capacete que aperta a cabeça, calça jeans rasgada de tanto usar, que por trás de tudo isso é pai, pastor, irmão, marido, chora de noite, dorme rápido e acorda fácil. É professor, é aluno. Mas quem olha de longe vê e pensa: “Não passa de um marginal!”


Exatamente, um marginal. Assim como Jesus, numa moto.


“Jesus numa moto” é sentimento de se perder pra se encontrar. Se perder numa estrada perigosa e nada promissora por aí afim de encontrar a vida que vale a pena viver. Não é isso que fazemos?

“Jesus numa moto” é chegar aos trinta anos, maduro. Maduro a ponto de viver duas vidas tão diferentes. Em uma delas, aquela com luvas, jaqueta, capacete e moto, ser feliz integralmente. Na outra, esperar chegar a hora de trocar de roupa e colocar a camisa branca suja de poeira.

Não tenho a moto, nem as luvas, nem o capacete ou a jaqueta. Menos ainda a moto.
Também não sou Jesus.


Mas sou Erick, pai, marido, filho, pastor, irmão, professor e aluno. Já aprendi a andar a segunda milha com mais alegria. Já aprendi a alegria de poder cear com John Lennon, Bob Dylan e Classius Clay. Também já meti um ‘Marlon Brando’ nas ideias e saí por aí. E principalmente, aprendi a uivar numa nova alcatéia. Preso nessa cela de ossos, carne e sangue. No final, espero ansiosamente a hora em que o mundo estanque, pra me aproveitar do conforto de não ser mais ninguém.


Obrigado, Jesus.
Foram emocionantes os últimos trinta anos na estrada de moto com você.
E olha que ainda tem chão.

3.8.17

V de Verdade






Era noite do mês de Nissan na província romana da Judéia, tudo estava calmo. Fawkes reuniu os amigos para alinhar os últimos detalhes do golpe final em que planejavam destituir de uma só vez, a coroa e o sistema religioso. Como bons conspiradores que eram, todos tinham a consciência dos riscos de uma manobra como essa. Um grupo relativamente pequeno, doze pessoas, para um levante inédito na história. Fawkes, porém, tinha a certeza de que o plano daria certo, fora cuidadosamente pensado e desenhado nos mínimos detalhes durante um ano inteiro. A ambição de acabar com o sistema que oprimia os seus compatriotas por séculos não cegou os olhos de Fawkes. Para os outros onze, o plano em si parecia arriscado demais.


Fawkes era um homem inteligente, doce e sisudo. Apelidou a ação como “Plano de Salvação”, afim de confundir as autoridades políticas e levá-los a pensar que se tratava de apenas mais um grupo de dissidentes religiosos do judaísmo. Basicamente, tudo funcionaria como um rasgar do véu que cobria a verdade por trás das estruturas de dominação que emanava do templo judaico e sua péssima atuação conjunta com o domínio romano. Fawkes planejava trazer à tona uma Verdade Libertadora sobre a realidade, insuficiência, ineficácia e fragilidade dos governos instituídos. Outro grupo já havia se arriscado em um plano semelhante, e fracassou por excesso de fundamentalismo. Eram conhecidos como ‘Os Zês’. Lutavam por uma causa perdida. Ou perdidos em sua própria causa.


Todos comiam, bebiam e cantavam enquanto aguardavam a chegada de Fawkes. Petra tomou Jan para um dos cantos da sala e sorrateiramente cochichou:
- Estou pensando em como tudo vai ficar depois... Estou animado, mas confesso que não sei como será amanhã.
Jan deu de ombros, tomou um gole prolongado de vinho e respondeu:
- Precisamos esperar para ver. Essa pode ser nossa última chance.

Enquanto os dois revezavam os olhares entre os que estavam na sala, a porta se abriu e todos olharam ao mesmo tempo e silenciaram. Fawkes chegou, um pouco agitado, parecia nervoso e ansioso. Sentou-se na ponta da mesa, pediu que todos se sentassem e começou um discurso. Ele falava baixo, mas sua voz era embalada pela tensão da véspera do maior acontecimento de sua vida.

“Irmãos e amigos, amanhã será um grande dia. O dia em que finalmente a Verdade libertará nosso povo. O dia em que finalmente cumprirei o propósito para o qual fui enviado a este mundo. Quero que saibam que aconteça o que acontecer, eu nunca estarei longe. Essa refeição que faremos agora serve para celebrar a nossa amizade, nossa prisão, nossos dias de martírio e nossa liberdade. O templo será destruído. Roma ruirá. Os poderes serão todos destruídos e entre vocês não terá domínio de um sobre o outro. Esta é a Verdade. Todos que ouvirem essas palavras poderão celebrar a saída definitiva da escravidão.”


Todos se olharam confusos e amedrontados com estas primeiras palavras. Alguns não entenderam mas ainda assim foram tomados de temor. Outros entenderam, mas não conseguiram compreender a dimensão do que estava para acontecer. Havia apesar disso um sentimento unânime entre eles: aquela era a Verdade.


Após a festa, todos seguiram para um local secreto no alto de um dos montes que ficavam a cerca de um quilômetro do centro da cidade. Fawkes sentou em uma das pedras, afastado de todos. Já sabia o que estava para enfrentar e já sabia que não seria fácil. Ele morreria pela causa natal. E ao mesmo tempo sabia que não poderia ser morto. Fawkes já não era mais só. Ele era muitos. Era anônimo, porque todos eram ele.
Já sabendo de tudo, do processo e do final, Fawkes olhou para cima e abriu os braços. Sentiu o silêncio profundo do vale que deitava-se aos pés do monte e marcou o interlúdio com uma sincera lembrança de sua mãe orando antes de dormir:


“A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; porque atentou na baixeza de sua serva; pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque me fez grandes coisas o Poderoso; e santo é seu nome. E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos.”



Ele nunca esqueceu essas palavras. Antes, as ouvia todo dia. E, sempre que se lembrava delas, sabia que estava fazendo a coisa certa. Cresceu em lar libertário. Cresceu e viveu em revolução anárquica. Andou desejoso por igualdade e justiça contra toda dominação e exploração.


A proposta do Reino de Deus, não deixa pedra sobre pedra. Não permite que estruturas de arkhos se sustentem. Na conclusão de um processo histórico, todas as estruturas de poder serão demolidas. A mensagem do evangelho faz com que os governos se tornem obsoletos. Quando todas as coisas se sujeitarem a Cristo, inclusive as civilizações, comunidades, nações, pequenos grupos ou até mesmo indivíduos, então, Ele mesmo “se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1 Coríntios 15:28).


A fé apostólica era uma fé libertária e subversiva por excelência. Eles sabiam que toda autoridade exercida deveria passar pelo filtro da consciência e da manutenção da relação igual sob o senhorio de Cristo. O mesmo Paulo que nos advertiu a que nos submetêssemos às autoridades afirmou que agora mesmo os poderosos deste mundo “estão sendo reduzidos a nada” (1 Coríntios 2:6). Jesus é aquele com o cetro de ferro pronto para quebrar toda estrutura de poder. O anúncio da boa nova do reino é seguido pela denúncia das estruturas hierárquicas que visam manter os homens num cativeiro. E para nós não se trata de uma intervenção sangrenta mas de uma insurreição pacífica, motivada exclusivamente por amor. Para nós o reino não é apenas um ‘A’ de anarquia. Antes de tudo é um ‘V’ de Verdade.


V de Verdade
(por Erick Freire - Desconstrução)

27.4.17

O Amor não despedaça - Precisamos falar sobre Hannah Baker





Diferente do que canta Ian Curtis no primeiro capítulo de 13 Reasons Why, não, o amor não vai nos despedaçar. Hannah Baker selou seu destino despedaçada, sim. Mas não pelo amor.


Se você não assistiu 13 Reasons Why ainda, aqui vai um alerta de spoilers sobre a série. Vamos juntos descobrir que precisamos falar sobre Hannah Baker, e tem que ser agora!



Bom, primeiramente, gostaria de falar sobre a produção 13 Reasons Why, depois sobre Hannah Baker, duas coisas absolutamente distintas.

Como um típico seriado hype teen, a produção oscila entre o velho conflito adolescente ‘eu contra o mundo’ e o mal do século, ou o mal causado por este século: a depressão.

No primeiro episódio já temos o tom do restante da série. Com enredo a la Malhação, sobre desventuras adolescentes no ensino médio, adolescentes bem sucedidos nos esportes versus os bem sucedidos nos estudos, meninos e meninas que parecem adultos, mas não podem comprar bebida alcóolica sem identidade e com uma trilha sonora hora tirando o fôlego, hora provocando a vontade de apertar o mute da TV, caminhamos rumo a treze episódios que prendem a atenção dos espectadores que, mesmo já sabendo o final da história, continuam assistindo para saber os treze porquês.

Logo de cara, no primeiro episódio, temos dois fatos importantes: Hannah se matou e deixou sete fitas K7 com treze motivos gravados e detalhados por ela, explicando o que a levou a tomar a decisão de tirar a própria vida.

Os filtros da película variam de cores quentes, para as cenas em que Hannah ainda está viva, para cores frias nas cenas pós-morte da jovem, na intenção de dar um ar melancólico, mórbido e saudoso à trama. A produção executiva da série fica por conta da musa teenager, Selena Gomez, que comprou os direitos do livro Thirteen Reasons Why de Jay Asher, contendo a história original.


Se por um lado a produção não poupou ninguém de cenas bizarras de estupros de adolescentes, torturas psicológicas e o próprio suicídio de Hannah, reproduzido de forma visceral em uma sequência com mais de 5 minutos, por outro lado, o roteiro utiliza uma linguagem cool nas narrações da jovem ao contar como teve sua vida arruinada por uma série de acontecimentos sucessivos. Ela conta toda a história em primeira pessoa, ao passo que as fitas deixadas são reproduzidas, sempre em tom de “querido diário”.


Agora, como essa não é uma crítica de cinema, vamos falar sobre Hannah Baker.


Hannah é uma jovem de 18 anos, muito bonita e inteligente. No ambiente high school americano ela, com sua personalidade, consegue estar inserida nos dois grupos predominantes: o dos atletas/animadoras de torcida e no grupo dos nerds bulinados. Sua família é uma típica família americana com pais bem sucedidos e trabalhadores, que fazem de tudo para manter o padrão de vida da filha única. Possuem o pequeno negócio de uma loja de conveniência e, ao que o roteiro indica, estão sempre ocupados demais com o trabalho e demais situações normais da vida e, negligenciam em certa medida, o relacionamento com Hannah.


A principal característica de Hannah, passada pelo roteiro e pela forma como a história se desenrola, é sem dúvidas, sua avançada capacidade crítica e de autoconhecimento. O que não é nada normal para uma adolescente de 18 anos, cheia de conflitos de identidade e em processo de formação de caráter. Talvez essa utópica e brilhante mente, ajude a contar uma história de forma madura e descontraída, quando realidades como essa muitas vezes lidam com mentes confusas e nada determinadas a se avaliar. Ela consegue facilmente explicar motivações das pessoa com a precisão de um expectador de uma série de TV, como se assistisse a trama de sua própria vida de vários ângulos diferentes.


Hannah tem treze razões para tirar a própria vida e milhares de outras para não o fazer. Por mais que precisasse de apenas uma razão e um segundo preso a ela para fazer o que fez, ela deixa claro durante os treze episódios da série que o processo de tomada de decisão foi degradante e degenerativo. Ela retira do foco sua vida normal e coloca em foco o inferno na qual sua vida se tornou. Seu autoconhecimento não podia superar a barreira imediatista da imaturidade, achando que tudo estava um inferno e permaneceria.


Olhando de forma fria, e este é um texto frio, escrito em uma sala fria, digitado em um teclado frio que não dá a mínima para sentimentos, consigo ver claramente, apesar de todas as situações vivenciadas por Hannah, um egoísmo solitário. O egoísmo é um sentimento frio. O egoísmo não sente saudades. O egoísmo não olha pra trás nem pra frente. Foi feito agora, para hoje. Sua vida começou a se tornar um deserto a partir da terra prometida de muitos. O que quero dizer com isso? Hannah saiu de uma situação familiar confortável, com conflitos administráveis, com problemas solucionáveis e caminhou, deixando sua própria vida por treze caminhos diferentes, em direção a um inferno apocalíptico.


Não consigo imaginar o nível de destruição da alma de uma pessoa que decide por tirar a própria vida. Não consigo imaginar que tipo de inferno Hannah estava vivendo. O que posso construir, e aqui digo por experiência própria como alguém que já chegou ao final apocalíptico da tomada de decisão, é uma reação possível aos treze motivos de Hannah para atravessar este inferno, não ilesa, mas viva.


Todas as situações vividas por ela provocam um sentimento de impotência e humilhação. Um sentimento de uso e desuso. Apenas um objeto. Apenas uma pedra no caminho das pessoas. Porém não é o fim. Com apenas 18 anos e no ensino médio, auge da instabilidade emocional, dos conflitos, das buscas, dos turbilhões sentimentais e do mergulho em mil paixões simultâneas, a vida cresce diante dos nossos olhos. Quantos primeiros beijos ainda teremos para dar? Quanta má fama ainda temos para deixar nos lugares que passaremos? Quanto fora-da-lei ainda seremos considerados? Quantas injustiças ainda veremos! As palavras duras que ouvimos, as cenas que os nossos olhos testemunham, os conceitos que a nossa mente não processam são ecoados pelo pior de nós aqui dentro. São ecoados pela nossa própria incapacidade de resolver os problemas. Simplesmente não conseguimos resolver! Hannah Baker não conseguiu.


Tem algo que me chama bastante atenção na vida/morte da Hannah. Ela cometeu apenas um erro em toda a sua trajetória. Não foi tirar a própria vida. O erro de Hannah Baker foi omissão. Quando o pior do mundo ecoou dentro dela, ela se omitiu. Ela não compartilhou consigo a sua opinião sobre aquele mal. Ela não permitiu que o melhor dela dissesse ao pior dela o que achava sobre aquilo. Ela calou 50% de si logo de cara. Na sequência ela calou 60% de si. Na outra semana ela calou 80% de si. Alguns 12 motivos depois, apenas 10% de si tinha voz. Em uma última tentativa de ouvir algo que a fizesse desistir, Hannah procura o conselheiro de sua escola e percebe que as palavras do conselheiro não encontraram mais nem 1% de Hannah. O que havia era um campo de pólvora e alguém acabara de atirar um coquetel molotov nesse campo.


Não é incomum encontrar vozes silenciadas como a de Hannah Baker por aí. Não incomum encontrar vozes muito altas falando também. O desequilíbrio é o cenário mais comum. Hannah narrou a sua história de forma equilibrada, por mais que ela mesmo tenha se desequilibrado. Ela fez parecer que estava tudo bem, que estava no controle. Sua voz permanece doce até nos momentos que vai xingar alguém. Parecia realmente que estava tudo bem. Pra falar a verdade acho que a depressão causa essa sensação mesmo. Não dá mais aquele frio na barriga de descer uma montanha russa. A queda se torna algo tão comum, que só resta ser doce, como Hannah Baker. Não tem mais gravidade na depressão. É um lugar inerte.


O que sei é: 13 Reasons Why não foi feito para quem está silenciado. Hannah Baker não dá voz a ninguém. Hannah Baker é ótima para abrir os ouvidos. Não há glamour no final da série. Não há troca de olhares em câmera lenta de jovens apaixonados. Há apenas uma conclusão do Sr. Porter, conselheiro escolar da escola de Hannah: “O amor não salva ninguém”. E é aqui que discordamos, Sr. Porter.


Não precisa haver silêncio! Não precisa haver vozes demais. Muito barulho as vezes incomoda a alma. Precisa haver descanso. Precisa haver a segurança de descansar. Precisa haver a segurança de saber que tudo vai ficar bem. E todos estes ‘haveres’ só conseguimos encontrar no Amor. O único que reúne em si: voz, silêncio, segurança e bem-estar.


Hannah Baker, o amor nada omite.


Precisamos falar de treze razões para você não ter tirado a própria vida, mas nenhuma delas se compara com a possibilidade do amor.


- Erick Freire.

10.11.16

29 de 78 – Um ensaio sobre anos, aniversário e 'talvez'





Uma vida inteira investida em significar. Nascemos assim, buscamos assim, crescemos assim e morremos por isso. Uma vida inteira buscando significar a vida. Talvez o objetivo da vida seja morrer tentando achar seu significado. Talvez o objetivo de uma boa vida, seja morrer sem encontrá-lo. Talvez a plenitude da vida seja viver pelo que ela significa. E pra mim a vida significa morrer. E mais uma vez: nascemos assim, buscamos assim, crescemos assim e assim vamos morrendo.

Quando achamos que sabemos de algo, descobrimos que não se trata do que sabemos, mas do que somos. Eu sei que sou sabido, mas não sou sabido do meu ser. Talvez encontre em certezas, salvação. Talvez encontre em tantas certezas, morte. Acima de tudo, tenho fé que um dia os anos me tirem a habilidade de escrever ‘talvez’ tantas vezes.
Fé é esperar na estação pelo trem que não passa com a certeza de que um dia ele chegará. Sem talvez. Ele apenas chegará!


De uns dias pra cá tenho caminhado bastante, se em carne não sei, Deus o sabe. Acontece que de nada adianta levar nas costas os anos de ‘talvez’ nessa caminhada. Talvez não diga mais talvez.


Esse ano foi duro, mas como dizem “Grandes mudanças são antecedidas pelo caos.” Seja como for, eu amadureci muito do ponto de vista intelectual, moral e emocional nesse espaço de tempo que me foi concedido por Deus para “agir e fruir” como dizia Freud. Sinto-me mais sereno. Ás vezes, a gente leva mais tempo do que pretendíamos para colocar a cabeça no lugar, definir um projeto de vida e lutar para realizá-lo. Mas quando finalmente estamos prontos, sentimos em nosso ser uma confiança renovadora. Queridos, nessa vida podemos ser o que quisermos e devemos escolher ser o melhor que pudermos. Podemos fazer o que quisermos e devemos escolher fazer aquilo que amamos e nos faz feliz. Podemos ficar com quem quisermos e devemos escolher ficar com quem faz nosso coração correr como um campeão olímpico.


Também chega um tempo na vida de um homem em que ele já viu relativamente tudo e agora pode selecionar o que é melhor aos seus olhos, aquilo que toca o mais primordial do seu ser. E a vida torna-se mais limpa, mais enxuta e mais palpável. Aperfeiçoei audaciosamente a fórmula do Freud para essa versão: “agir e amar”. A bíblia me deu, por outro lado, “amar e agir”. Amar no sentido mais profundo, ético e cristão. Amar e respeitar, amar e perdoar, amar e pacificar. Se agir primeiro do que amar ou vice-versa, não sei. Depende do que o momento pedir, depende do que o próximo pedir, depende do que os anos terão me ensinado.


Em suma, estou mais velho, é verdade, mais também estou mais maduro, mais forte e mais saboroso como um bom vinho. E mais amável. Como dizia o Russo, de Brasília: “Aprendi a perdoar e a pedir perdão”.


Talvez velas se acendam hoje, coros cantem “Parabéns pra você” e a pessoas me peçam para assoprar a vela e fazer um pedido. Eu porém vos digo: que se acenda, no interior de cada um de vocês, a LUZ. Não de vela, mas de Graça! Não uma que possa ser apagada pelo meu sopro, uma porém que possa me salvar de minhas escuridões quando eu precisar.


Enfim os anos não podem mentir. Já vivi 29 de 78.


Que nos próximos 49, haja lucidez. Lucidez para enxergar os presentes que recebemos e poucas vezes enxergamos. Lucidez para valorizar o que nos pertence de fato. Lucidez para aceitar o fim de um tempo e o começo de outro, diferente, mas nem por isso pior. Lucidez para acolher o que é verdadeiro, real e provido de sentido.
Lucidez para amar e ser amado. Lucidez para finalmente permitir que o amor nos salve da vida.


Sobre o sentido da vida, sem talvez, apenas uma certeza: é pra frente!



Erick Freire.

1.11.16

Trocando em Miúdos




Então tá, vamos tratar do assunto, do meu assunto! Sou assim bem claro, pode me seguir, pode ver o que estou falando. Anote aí. Sim, anote. Porque hoje o que penso tem embasamento em uma grande quantidade de informações, de muita leitura. Que tipo de leitura? De todo tipo, até cristã. Então anote aí. Porque daqui a quinze anos você poderá confrontar todas as informações e ver que continuo o mesmo. Ou será que a leitura pode me fazer alguém melhor? Sim. Às vezes temo que ela possa me matar. Eu mergulho em tantos caráteres, admiro todos eles, uns maus e outros que desejo trazê-los para dentro de mim, mas são justo esses o meu confronto. Estão a léguas do que vi em meu pai, em meu avô, estão a léguas da minha realidade. Mas naqueles papéis tudo é tão forte, em minhas anotações estão fáceis. Por que não consigo tangibilizá-los dentro de mim? Consigo?

A minha cabeça monta um homem que enxerga à frente de todos, com princípios iguais aos da letra, tudo verdade dentro de mim. Forte e digno de ser seguido, admirado. Luto para este homem tomar forma, mas quando meu conhecimento e meu caráter se fundem, fico confuso se estou formando o homem certo, aquele que em quinze anos estará intacto em seus princípios. Sinto agora minha cabeça ficando bem menor, pois estou olhando as propostas que partem ao meio este homem poderoso que desenhei ser. Eu sei que sou inteligente, preciso dizer não ao meu imediato, para projetar um princípio talvez maior para mim, ou um príncipe maior em mim. Não sei se estarei vivo amanhã, então é melhor ceder...

Mas o que eles querem? Que história é essa de cabecinha? Eu leio, eu aprendo fácil, sei me relacionar bem, consegui chegar aqui e só. Ninguém me ajudou em nada, foram só críticas. Mão amiga? Amigos? Eu quero me guardar agora e sair por aí decidindo o melhor para o momento, pode ser que dê certo. Se bem que Shakespeare não deixava nada dar certo. Acho Shakespeare um pouco exagerado e acho Tolstói bobo, infantil. Quer saber? Vou ler a bíblia, não quero seguir nem um, nem outro. Quero ser eu. Mas me dizer que sou cabecinha? Vocês são primitivos. Leiam mais...

Acho que me perdi. Não quero ser tão rude e cheio de mim. Só quero aprender, tenho sede por conhecimento. Preciso me remontar, me reconstruir para que, daqui aos quinze anos, minha trajetória seja digna de reconhecimento e os meus pés estejam firmes o suficiente ao ponto de quando eu andar minhas pegadas desenhem no chão a palavra PRINCÍPIO.

Trocando em miúdos: não quero ser cabecinha.

- Luciana Freire Ribeiro